Retrato da mãe do artista (1904)

Retrato da mãe do artista:
Ana de Jesus e Silva
 
Aguarela sobre papel
73 x 53 cm
1904
Ver:
Diário de Notícias de 1904-04-05
   (1ª Página), por Eduardo de Noronha
Exposição de 1904
     Se nada mais tivesse perdurado da obra de Roque Gameiro, este quadro seria a prova tangível do seu grande talento, da extraordinária capacidade de dominar a difícil técnica da aguarela.
     De um fundo claro, levemente escurecido por rápidas e suaves aguadas, destaca-se a imagem retratada, de porte imponente. A figura de traços acentuados e fortes apresenta-se sentada a três quartos, embora o rosto se volte ligeiramente para a frente, numa posição de repouso. As mãos sobrepostas revelam a calma de uma mulher segura de si própria, numa espécie de tranquilidade vigilante. No rosto de linhas firmes e bem definidas, coroado de cabelos grisalhos, sobressai o olhar de intensa acuidade e a boca de lábios firmes e decididos.
     Cromaticamente, este quadro resolve-se quase totalmente numa predominância de tons escuros: o castanho escuro da cadeira e o negro da roupa, apenas cortado pela mancha branca da gola e pela nota mais viva do amarelo quente dos objectos de adorno. A medalha em forma de coração torna-se praticamente um ponto de referência do olhar, dada a posição que ocupa na estrutura do retrato e por constituir uma mancha de cor brilhante, no meio da roupa de tonalidade escura, que o modelo enverga.
     Em aguarela é assaz difícil pintar uma grande superfície utilizando o negro, ou seus derivados, pela tendência a provocar manchas em zonas onde nem sempre elas se justificam. Contudo, o artista resolve esta situação com uma perícia ímpar. Dentro da cor escura diferencia gamas tonais, acentuando ou desvanecendo a intensidade do negro, provocando pequenas aberturas de luz na orla das pregas permitindo, assim, sugerir o brilho próprio da textura do cetim e individualizando as peças de roupa que a mãe do pintor enverga. Poder-se-á acrescentar que a imagem que nos fica da figuração do vestuário é de facto a de uma mancha escura, mas de inesperada luminosidade.
Maria Lucília Abreu
in Roque Gameiro - O Homen e a Obra, ACD Editores, 2005
 
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